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sexta-feira, 25 de agosto de 2017

Sepulcro

Eu deveria ter esquecido, que já faz tanto tempo e tanto vento. Mas, outro dia, tava aqui dançando a nossa música e era outro cara, outro beijo. E foi ele que escolheu a música. Que direito ele tinha, de escolher nossa música?

Daí, ele me beijou tão bem, tão todo, que só no dia seguinte pensei: era nossa música. Mas afinal, você, quem escolheu outra vida, outra pessoa, outros filhos, outros caminhos que não eram meus. Nem eu, nem meus dilúvios. Nem uma gotinha sequer daquela paixão que, penso eu, ninguém sobreviveria.

Como é que se vive assim, extenuado, exausto, sem fôlego e sem paz? Como é que se vive tremendo, ansiando, amando do dedinho do pé ao fio de cabelo pendendo sob os olhos na franja?

Amor, não se vive.

Há amores, que precisam mesmo, morrer. Talvez, só por isso, eu esteja viva. Tão viva.

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PS: Cada vez mais livre das regras, incluindo as ortográficas e ortodoxas.
PSMusical: Tava ouvindo Casa Pré-Fabricada e lembrei que ela tava numa cafuzice pra vc, em 2009. Mas a música que dancei, que também era sua, nossa, sei lá, era um soul, bem sofrido, mas tão dançante. Prefiro não dizer.

sábado, 5 de agosto de 2017

Verme

Estremeci, até o osso. Foi murro no baço da alma. Bolada no peito, facada nas costas, que eu, bestona, tava distraída na frente. Achando que o que vinha atrás e dos lados era o de menos. Era o de menos. Cuidado danado ao olhar pra frente. Compasso pesado e doído, mas ô caminhada bonita. Bonita assim, dessas em que qualquer flor te distrai. Dessas de fazer vc achar que amor é o suficiente. Que o amor te livra das hemorragias e das mentiras. Que por amor, vc escolhe quem leva e quem abraça nessa caminhada. E vai seguindo cega, vivendo de uma alegria boba e fugaz.

Até sentir a lâmina, gelada e precisa. Um segundo e tem sangue na boca. Tem sangue nos versos, no travesseiro, no vinho. Tem sangue no que vc resgatou de bom. Julgamento, mana. Julgando que era bom, vc trouxe Judas pra dentro de casa. Deu pra ele a chave, as dicas, a família, os sonhos e os amores.

Há quem diga (- o que diz mesmo, na hora da boca e olho no olho, é outra coisa), mas há quem poetize: que o que você esperava era devoção. Nem era, acostumada com tiro, porrada e bomba, esperava era tiro na testa. Mas, com o respeito de que fosse na testa. Com a chance de se esquivar, se fosse na testa.

Judas. Tem nem munição. Tem nem tiro pra trocar.

Daí, se vc vacila, se curva o peito e os olhos diante de alguma emoção, é o ângulo e a hora, pra quem tá sempre atrás. Facada nas costas, de jorrar sangue em mais três gerações.

Eu!

Vacilona.

Como é que se cospe poesia, se a boca tá cheia de sangue?
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PS: Ô Irene, ô Irene...
PSRacional: Verme. Que só faz peso na terra. Tira o zóio. Tira o zóio, vê se me erra. Eu durmo pronto pra guerra e eu não era assim. Eu tenho ódio e sei o que é mau pra mim, fazer o quê?
Vida Loka.
PSDesumano: Foda-se o direito a réplica e o direito de ser ridícula. Foda-se. Só não vou mais guardar. Nada.
PSIrracional: Meu anjo do perdão foi bom, mas tá fraco. Mentira! Nunca foi bom. Mas ó, nunca perdoei tanto na vida. A coisa muda quando a sua referência do que é perdoável ou não, vira do avesso, drasticamente. Irreversivelmente. Verme, gratidão por ressignificar a palavra, a etimologia, e o sentido do perdão.

segunda-feira, 20 de março de 2017

Superlativo

Eu tenho aquela sensação escrota de amar você, o tempo – quase – todo. Eu fico reparando no teu lábio superior que, quando se distrai, contempla o céu. Eu fico vendo o quanto teus lábios pendem na minha direção e um milhão de palavras na tua boca são sopros de fumaça perfumada, entorpecente, que enlouqueço mesmo, tragando você. Se pá, nem é isso. Talvez seja só a gravidade. Essa sensação de que, mas um milímetro e você cai, finalmente aqui dentro.

A questão é que, eu sei exatamente o que fazer de você e com você aqui dentro. Não são planos, são convicções. Pecados urgentes e legítimos, do gosto do teu beijo – que eu já sei, ao amanhecer boba, cheia de certezas, sorrisos e desejos trêmulos, ao contemplar você. Que é a hora que eu mais gosto de te amar. De manhã, acordadíssima enquanto você dorme. É quando eu nem me incomodo por tanto espaço que ocupa. É quando eu acho graça dos nossos segundos de paz.

Acorda não, amor. Que o problema é que eu não sei, não ouso imaginar, o que fazer depois.
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Ah, claro. Ouvindo Fagner:

Deslizes

Não sei por que
Insisto tanto em te querer
Se você sempre faz de mim o que bem quer
Se ao teu lado sei tão pouco de você
É pelos outros que eu sei quem você é

Eu sei de tudo com quem andas
Aonde vais
Mas eu disfarço o meu ciúme
Mesmo assim
Pois aprendi que o meu silêncio vale mais
E desse jeito eu vou trazer você pra mim

E como prêmio eu recebo o teu abraço
Subornando o meu desejo tão antigo
E fecho os olhos para todos
Os teus passos
Me enganando, só assim somos amigos

Por quantas vezes me dá raiva te querer
Em concordar com tudo o que você me faz
Já fiz de tudo pra tentar te esquecer
Falta coragem para dizer que nunca mais

Nós somos cúmplices, nós dois
Somos culpados
No mesmo instante em que teu corpo
Toca o meu
Já não existe nem o certo nem errado
Só o amor que por encanto aconteceu

E é só assim que eu perdoo os teus deslizes
E é assim o nosso jeito de viver
Em outros braços tu resolves tuas crises
Em outras bocas não consigo te esquecer

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PS: Superlativo de amor: Amor da Porra.
PSCientífico: Essa boca aí, que oscila na minha direção, deve ser a gravidade. Danada. Dá nada.

sexta-feira, 20 de janeiro de 2017

Era

Não era saudade, nem raiva, nem vestígio do que não fizemos.

Era vazio. Era acordar com a casa cheia de souvenires que contavam minha história, mas cheia de entrelinhas e poeira dele. Menino danado, bom de fazer pó e nenhum sentido.

Nenhum sentido. Que era só eu que sentia, sempre. Esperando que ele entendesse dez anos em três segundos. Minha pressa fudendo tudo. Minha pressa, de ser eu mesma sem censura, finalmente. Finalmente.

Eis que, a porra toda foi o avesso. Foi dedo apontado na cara e na ferida. Foi um tal de “você não podia”, “você não devia”, “você não cabia”. Que é que eu podia dizer, se era ele amando o que eu era, sem respeitar o que fazia de mim, o que eu era.

Lamento, amor. Sou dessas que ama e desama. Sou dessas que constrói e desconstrói. Eu precisei ir lá no fundo, pra ver você.

No fundo. Onde não cabem os copos rasos, as meias verdades, as vaidades.

Bem fundo. Estreito, escuro, quente. Eu deveria ter visto, amor. Nem caberia mesmo, eu e você.
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PSdoLogoEu: Ele, copinho raso d’água. Com a boca seca, mas um medo da porra de molhar o saco.
Logo eu, tempestade dramática de Iansã.
Toda molhada e
sem saco...

PSFundamental: Era, mas não é mais.

PSDesnecessário: Logo eu. Logo, eu. Bem logo, eu. Bem mais – e não bem menos, eu.

terça-feira, 15 de novembro de 2016

Acorde

Minha casa, pequena. Como deveria ser, que cabe no peito. Da porta pra sala é um salto que nem percebo, especialmente quando calço nuvens. Na sala, o violão que esqueci de guardar no outro dia, se insinua cheio de curvas e cores.

Ele num sorriso pornográfico e eu, irritada, queria era um pente de balas intermináveis e vidas que se desgastam e se tem de volta num F5.

O espelho me lembra que sou mais que essa sombra. Que sou bem mais e tão mais que essas provocações. E o violão, ainda ali. Pulsando por meu colo. Desejando a pressão certa dos meus dedos, em cada corda e em cada passo.

Um acorde, dois, três... no quarto, lembrei de caçar a tesoura e arrancar as unhas que não me deixavam sentir o gosto. Que as vezes, o gosto vai da ponta da língua à ponta dos dedos. E tateando é que se tem a menção. Tateando é que se ouve, se sente, se esvai. Que é preciso esvaziar pra então, inundar. Que é preciso o vazio e silêncio pra ler nas entrelinhas, e acordar.

São só quatro acordes. Mas, são meus. Das cicatrizes dos meus dedos, dos meus medos, dos meus porquês. Meus porquês que fazem música – e não sentido.

De um não sentido, sem sentido, tão sentido.

Quatro acordes, quatro calos, beirando quatro décadas. E só:

“A Montanha Mágica
– Legião Urbana

Sou meu próprio líder, ando em círculos
Me equilibro entre dias e noites
Minha vida toda espera algo de mim
Meio-sorriso, meia-lua, toda tarde

Minha papoula da Índia
Minha flor da Tailândia
És o que tenho de suave
E me fazes tão mal

Ficou logo o que tinha ido embora
Estou só um pouco cansado
Não sei se isto termina logo
Meu joelho dói
E não há nada a fazer agora

Para que servem os anjos?
A felicidade mora aqui comigo até segunda ordem
Um outro agora vive minha vida
Sei o que ele sonha, pensa e sente
Não é coincidência a minha indiferença
Sou uma cópia do que faço
O que temos é o que nos resta
E estamos querendo demais

Minha papoula da Índia
Minha flor da Tailândia
És o que tenho de suave
E me fazes tão mal

Existe um descontrole, que corrompe e cresce
Pode até ser, mas estou pronto pra mais uma
O que é que desvirtua e ensina?
O que fizemos de nossas próprias vidas

O mecanismo da amizade
A matemática dos amantes
Agora só artesanato
O resto são escombros

Mas é claro que não vamos lhe fazer mal
Nem é por isso que estamos aqui
Cada criança com seu próprio canivete
Cada líder com seu próprio 38

Minha papoula da Índia
Minha flor da Tailândia

Chega, vou mudar a minha vida
Deixa o copo encher até a borda
Que eu quero um dia de sol
Num copo d'água”

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PS: (...)
Danem-se as crases (a mais e a menos), os baralhos ciganos e todos os orixás. E todas as aparências e todas as convenções. E danem-se o Temer, o Dória, o Crivella e o Trump. E dane-se Ele também.
E leia-se “Ele”: que nem tem nada de deus. Tá mais pra besta vaidosa e egoísta.
Besta.
Vaidosa e egoísta. Existe um Sol maior que o seu.

PSdoPS: Acordei. Acordada.

sexta-feira, 11 de março de 2016

Compostagem

Tirei toda a minha roupa, pra garantir que não haveriam censura nem véus. Pra dizer, finalmente, o tanto, o quanto, de você em mim.

Que outro dia inda era feito meu cabelo preso. Desejozinho guardado no laço, pra desatar depois, como quem espera o Sol. Como quem prende pra não ver cair nos olhos tantos caracóis e tantas possibilidades. Coisa de quem sabe, que solto dá uma dimensão que não se trata. E há quem diga, que não se trata disso. Nem daquilo, nem por quilo, nem gramas, nem pêlos.

Mas nesse segundo, trata-se de você e eu. Largados, esquecidos dos nossos motivos, órfãos das nossas certezas. Rindo das confissões e de tanta presença em tão poucas linhas.

Você, embaraçou as minhas linhas. Nem sei mais por onde, nem por quanto tempo, nem em quantos beijos, se daria o nosso céu.

Céuzinho engraçado, bom de morar. Bom de demorar. Feito rede estendida na frente da casa, que nos acalma, antes de entrar.

Eu quero tanto, você aqui dentro. Mas, antes de entrar, vem aqui, olha o meu jardim.

Vem aqui!

Molha

o meu jardim.
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PS: Dessas insanidades que sopram mais forte na madrugada.

PSZinho: É que o danado tá fazendo compostagem no meu peito. E anda com as sementes no bolso, que a hora certa pode não ter 60 minutos inteiros. Os segundos dizem mais. Bem mais.